Dóris Bicudo, Direto da Fonte - [O Estado de São Paulo, 16.11.2008]
Assim a monja Coen vê o Brasil, com seu olhar de budista. “Para mudar o mundo, basta prestar atenção no outro”, diz
A vontade de transformar o mundo tomou corpo nos anos 60, quando a jovem e rebelde Cláudia Batista de Souza, então repórter do Jornal da Tarde, foi saber como funcionavam as sociedades alternativas. Dali para a frente, ela viveu várias experiências - uma vida boêmia, da qual guarda uma cicatriz na orelha, por conta de um acidente com um Fusquinha. Uma temporada em Londres, onde se envolveu com drogas. Depois, ela namorou, casou e teve uma filha.
Corta a cena. Entra monja Coen, uma mulher de 60 anos, ainda com vontade de transformar o mundo, mas de outra maneira. Ordenada em 1983, no Japão, depois de iniciar seus estudos budistas no Zen Center of Los Angeles, ela fundou a Comunidade Zen Budista, em São Paulo. Foi também a primeira mulher de origem não japonesa a presidir a Federação das Seitas Budistas do Brasil.
Nosso encontro ocorreu no templo onde ela mora, no Pacaembu. E é de lá, ou de qualquer outro lugar, avisa ela, que pode acontecer a transformação que queremos para o planeta. Como? “Basta querer e prestar atenção no outro.” E é justamente por seus projetos para a paz, a justiça e a cura da Terra e dos seres vivos que monja Coen é uma das indicadas para o Prêmio Trip Transformadores, que sai nesta terça-feira.
Como a crise atual aumentou o interesse de executivos pelo templo? Tem havido sim. Temos alguns empresários que freqüentam a comunidade e um deles sugeriu que a gente faça um encontro falando sobre essa visão budista das coisas, de que não é preciso esse excesso de estresse. Se perdermos, perdemos. Por que não? Podemos ganhar depois. Porque tudo é passageiro. Quando temos, nos alegramos por ter. Quando perdemos, podemos nos entristecer, mas nos preparar para ganhar adiante. Tudo na vida é transformação.
O que significa, para a senhora, a vitória de Barack Obama nos Estados Unidos? Celebro com muita alegria, no sentido de que foi uma confiança na democracia. Se pensarmos que há cerca de 50 anos os negros não tinham acesso aos lugares, não podiam sentar nos ônibus e que hoje temos um presidente mestiço... E com uma carinha de brasileiro, que até parece estranho ele falar inglês.
Este momento já seria um processo de transformação? O que está mudando é o que eu chamo de nosso modelo mental. Acredito que o nosso instinto de sobrevivência é maior. Por conta disso, muitos de nós já percebemos que essa é a nossa casa comum e para que possamos sobreviver com saúde temos de cuidar do nosso quintal. Eu vejo uma possibilidade muito grande da transformação para patamares de consciência mais elevados, mais profundos. Uma visão que transcende partidos políticos e sistemas econômicos.
Nós, brasileiros, podemos ser exemplo desse novo tempo? Somos. Aqui é um caldeirão de transformação. Nossa sexualidade mais exacerbada nos levou a uma miscigenação mais fácil. O fato de que eu gero em mim filhos, que são de etnias diferentes, acho uma vantagem. E tem outro aspecto muito interessante, o de não termos tido muitas guerras. Temos violência urbana, sim, mas se a gente pensar na violência urbana relacionada com o que é guerra, somos um povo de paz. A gente vê no mundo um levantamento de pessoas, um pensamento de construção de paz muito grande.
Vale como um alento... É. Se a gente pensar que Hiroshima foi completamente arrasada e hoje é uma cidade belíssima, com jovens descendentes dessa coisa medonha, brilhando em vida! E eu acredito na vida. E está acontecendo uma mudança muito positiva. É que essas coisas que são muito bonitas não são divulgadas. É claro que o fato de um menino pôr uma bomba no corpo e se atirar sobre outras pessoas para matar impressiona tanto que dá manchete de jornal. No entanto, acho positivo a violência ainda nos chocar. Sinal de que a vida se renova incessantemente e de que não somos tão poderosos quanto achamos. Temos uma inteligência e uma capacidade de compreensão um pouco diferenciada dos outros animais.
Estamos a caminho de ter um budismo brasileiro? Ele está surgindo. Nós temos aqui três grupos que cresceram muito, que são a Seicho-no-Ie, a Messiânica e o Perfect Liberty. E essas correntes têm um certo sincretismo religioso entre budismo, xintoísmo - que é uma religião originária do Japão - e o cristianismo.
Acredita que pode haver uma miscigenação com o candomblé ou a umbanda? Tenho esperanças de que possamos manter as tradições. Embora as pessoas em suas casas e em seus corações possam seguir grupos diferentes, acho que cada uma tem uma característica importante, particular e sua. Seria mais interessante que não se misturassem.
Qual é o papel da mulher no budismo? Muito importante. Os primeiros monásticos japoneses foram mulheres. Só depois é que se tornou uma tradição masculina. Durante a 2ª Guerra, quando muitos homens morreram, as monjas, que antes só serviam para cozinhar, lavar roupa e servir o chá, precisaram fazer enterros, celebrar casamentos. Uma situação real criou a mudança. Próximo do que está acontecendo no mundo: nós temos uma transformação importante no papel das mulheres dentro da sociedade.
Pode-se dizer que a senhora é uma feminista? Não sei se sou feminista. Acredito que temos de caminhar juntos, homens e mulheres, mas não somos iguais. Definitivamente, não somos! Em português, plural de homens e mulheres é homens. Desde quando? As mulheres entraram no mercado não porque elas gritaram que queriam trabalhar. Houve uma necessidade social, política e econômica. Estamos vivendo e fazendo essa história lado a lado.
E a família? O conceito de “minha família” é uma coisa retrógrada. A nossa família é a família humana. E quando nós percebemos isso, passamos a ser “cuidadores”. A vida da minha filha, por exemplo, é muito diferente da minha. Ela está vivendo aquilo que pode viver neste momento. Quando mais nova, me questionava muito e me acusava de tê-la abandonado. No nosso caso, uma saudade muito grande faz parte do nosso relacionamento.
Construir em silêncio, é esse o segredo?Sim, caminhar em silêncio. É o bem que a gente faz e que quase ninguém percebe. Porque aquele que não está nos vendo é um ser humano como nós. No momento em que incluirmos aquele que nos exclui há uma transformação. É meio mágico isso. É como disse Mahatma Gandhi: “Se você não é capaz de amar aqueles que aparentemente são os seus inimigos, não vai dar certo.” Não quero convencer o outro de que “só o meu caminho salva”. Entendo quando novos grupos falam isso porque nossos grupos, quando foram novos, há milênios, falaram coisas semelhantes.
Há 11 horas
2 comentários:
Muito legal a reportagem Ari.
Você consegui o jarnal aí, ou pegou na net?
Dê uma olhada no final da última resposta, para ter trechos de uma outra resposta.
Beijos
Mamis.
Oi Mãe,
Já arrumei...
Pguei no blog da Sônia Racy http://blog.estadao.com.br/blog/diretodafonte/
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