Fernanda chegou a São Paulo no ano passado para estudar cinema na Faap. Menina bonita, sotaque de pernambucana. Não é muito inteligente. Mas acredita que abafa porque estudou inglês, francês e fez um monte de cursos de computação.
Mora num flat bem perto da faculdade, caro e sofisticado. O pai disse que ela não precisa se preocupar em ganhar dinheiro até terminar a faculdade. Então ela enrola o dia inteiro e faz um curso de francês a noite. A faculdade tem muitas matérias chatas nas quais ela sempre toma pau. Mas claro que a culpa é dos professores, que não sabem dar aula.
Lá em Recife ela não quis estudar porque achava que aqui teria mais concentração para os estudos. E a qualidade do ensino seria melhor também. É claro que em nenhum momento do ano passado ela parou para estudar porque já sabia tudo o que os professores estavam ensinando. Aliás, talvez ela nem precisasse ir à faculdade, mas o diploma é importante para alguma coisa no futuro.
Já acha que conhece bem a cidade. Todas as ruas dos Jardins, o shopping Iguatemi, os cinemas da Paulista e os bares da Vila Madalena. Ao centro nunca foi. Já disseram para ela que é perigoso. Mas está pensando em algum dia ir à Pinacoteca conhecer e fazer algumas fotos.
Outro lugar que ela precisa fazer foto é na loja da Daslu. Todas amigas de Recife e principalmente as do interior do Estado que vêm para São Paulo não podem ficar sem fazer umas compras básicas por lá. A Daslu é muito melhor do que comprar em Miami. Em Miami já foi muito bom comprar, mas agora está um pouco chato, São Paulo ficou mais badalada.
Ela pretende trabalhar com filmes de arte depois que terminar a faculdade. O favorito é "Amarelo Manga", porque mostra a realidade brasileira. Ela é muito preocupada com a condição da pobreza em que muitas pessoas vivem. Sempre que pode ajuda. No "Criança Esperança" mesmo ela doou R$100 pelo telefone. Depois teve que comer durante uma semana no McDonald's para economizar.
Quando escontra alguma criança pedindo esmola, ela logo dá umas moedas. Ficou um pouco espantada quando eu disse que não era muito bom dar dinheiro para crianças e resolveu que vai procurar outro jeito de ajudar.
Ela prefere comer no japonês ou em alguma lanchonete dos Jardins ou do shopping. Às vezes, cozinha algumas coisas no flat, mas detesta lavar a louça, então prefere perdir algo descartável.
O prédio dela é neoclássico, o pai que escolheu, ela adora esse tipo de arquitetura, acha que tem tudo a ver com São Paulo. Recife combina mais com o colonial.
Dirigir aqui ela ainda não se acostumou, mas tenta. As pessoas ficam muito impacientes quando ela pára em fila dupla para pegar alguma coisa rapidinho numa loja. O que eles querem que ela faça se não tem lugar para estacionar?
Por Duilio Ferronato, [Revista da Folha] 24 de Junho de 2007
Há 2 dias
Um comentário:
Olá. Bom.. vc pediu para quem passar, deixar um comentário. Quero dizer que já conheci uma pessoa exatamente assim, uma pessoa que me disse não acreditar que existem pessoas que não têm dinheiro para comer. Segundo ela, "todo mundo tem dinheiro pra comer. Talvez esteja apertada e não esteja podendo comprar a roupa de marca que gosta naquele momento, mas dinheiro para comer, todo mundo tem, sempre". Sim, claro, né? Para um pai de família desempregado, o dinheiro brota nas árvores da praça....
Bom, é isso! Era só para reforçar que esse texto é muito mais real do que possamos imaginar.
Parabéns pelo blog.
Sucesso!
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